Vitória Rodrigues e Silva
Fundamento Assessoria
Diversos especialistas na área de Educação têm chamado atenção, às vezes com tom alarmista, para o fato de que a demora no retorno às aulas presenciais poderá causar danos irrecuperáveis aos estudantes.
Por que eles fazem afirmação tão grave?
Primeiro, porque a escola é um espaço de sociabilidade, ou seja, de convivência e de trocas fundamentais para o desenvolvimento da criança e do jovem. Tão importante quanto o que aprendem com seus professores, é o que aprendem na relação com os colegas e toda a comunidade escolar, desde o porteiro que os recebe na porta da escola, até as pessoas que cuidam da manutenção predial e da cantina, passando por todo o corpo pedagógico. Privar as crianças desse convívio por mais de um ano gera consequências muito graves para o seu desenvolvimento pessoal, para além do âmbito cognitivo.
Segundo, porque a aprendizagem é essencialmente uma prática social, que se dá na interação entre os sujeitos. O que ocorre durante uma aula é único, jamais se repete. Mesmo um professor que prepara uma mesma aula expositiva para aplicar em duas ou mais turmas, sabe que a aula não será a mesma, porque a relação com os alunos não será igual. Até mesmo quando eles apenas assistem, calados, à exposição. Porque há uma infinidade de sinais, de comportamentos, que são captados pelo professor durante sua exposição, que fazem ele voltar, retomar uma ideia, fazer uma pergunta (mesmo que apenas retórica) e não outra, fazer uma graça, um comentário. Nenhuma aula remota consegue propiciar essa “reação química” que acontece durante uma aula (ainda maior e decisiva no caso das turmas dos Anos Iniciais, em que se soma a tudo isso a oportunidade do perguntar, do manipular materiais, das brincadeiras e jogos pedagógicos). Não se nega a utilidade de recursos tecnológicos que ampliem as oportunidades de aprendizagem, mas o modelo de aula remota verificado na maior parte das escolas não promove de fato aprendizagem. Estão aí as avaliações diagnósticas a comprovar.
Terceiro, porque, para uma parcela importante de estudantes, a escola é mais do que o local onde se aprende. É também o lugar onde se faz uma ou duas refeições mais nutritivas ao dia, onde se tem um banheiro com instalações apropriadas, onde há gente que os olha e os observa como uma pessoa, percebendo seu olhar, seu comportamento, as marcas no seu corpo, denunciando agressões físicas e/ou emocionais. Para essas crianças e jovens, ficar longe da escola é não contar com cuidados básicos e amparo emocional.
Quarto, porque a prorrogação sem fim de aulas remotas faz com que os muitos estudantes percam o fio da meada, se desinteressem, se desmotivem e não vejam mais motivo para continuar estudando, especialmente porque a fome bate à porta e trabalhar na rua pode significar uns míseros trocados, que se convertem no macarrão da única refeição do dia. O abandono da escola é uma alternativa concreta e imediata para quem vive na pobreza, e sabemos que ela cresceu muito nesses tempos pandêmicos.
Poderiam ser acrescentados outros argumentos, alguns bem conhecidos: falta de acesso a computador ou existência apenas de um celular na família, impedindo o acompanhamento das atividades remotas; falta de acesso à internet com velocidade compatível às necessidades; pouca eficácia de aulas expositivas e execução de atividades escritas geralmente pouco eficazes para as aprendizagens previstas, a dificuldade dos pais em ajudar os estudantes com dificuldades, sobretudo no caso daquelas que estão em fase de alfabetização. Ou mencionar ainda que há certas vivências e experiências que têm idade certa para ocorrer, e, passando esse momento, não adianta querer retroceder no tempo, pois o efeito não será o desejado.
Mas o quinto e último motivo que justifica a urgência da volta às aulas é porque vivemos em um país em que a Educação não é vista por um largo extrato social como fundamental, pré-requisito para se ter uma outra condição de vida. “Aceita-se” passivamente a falta de políticas públicas que de fato as ajude a romper o ciclo implacável da exclusão social. Resigna-se à sua condição, imaginando que não há outra possível. Prorrogar o período sem aulas é um sinal poderoso de que a escola não é mesmo lugar para seus filhos e aprender não é algo imprescindível para suas vidas.
A escola é, sobretudo, um espaço de formação de cidadania. Nela, crianças e jovens têm condição de aprender que são cidadãos e, por isso, são sujeitos com direitos (e deveres). Dispor de educação (de preferência, uma educação de qualidade) é o primeiro passo para que possam ter uma vida plena. Permanecer mais tempo longe da escola contribui, e muito, para ampliar as abissais diferenças de oportunidade que crianças e jovens pobres padecem em uma sociedade tão desigual e excludente como a brasileira.
Não se pode ser conivente por mais tempo com esse quadro. Sem desconsiderar que é preciso obedecer todos os protocolos de segurança, precisamos que os estudantes voltem o quanto antes ao espaço que lhes pertence: a escola.