O pensamento crítico, a criatividade, o respeito à diversidade são amplamente favorecidos, para não dizer dependentes, de um repertório cultural mais amplo e diverso. Afinal, a abertura para outras culturas, estabelecendo diálogos e relações entre elas pressupõe a capacidade de entendimento de outras vozes, de outros pontos de vista, de outras práticas culturais.
Foi disso que tratei em um recente curso sobre a competência geral Repertório Cultural, conforme estabelecido pela BNCC, e destinado a professores da Educação Básica da rede pública do estado de Mato Grosso.
Pensando de maneira mais específica no repertório que os educadores devem ter acerca da sua área de atuação, o livro “Cultura, ensino e sociedade no Ocidente nos séculos XII e XIII”, de Jacques Verger (EDUSC, 2001) é leitura muito interessante, pois informa e analisa as importantes inovações que começam a ocorrer em estabelecimentos educacionais no século XII em vários pontos do continente europeu, a partir das quais começam a germinar a formação das primeiras universidades. Um aspecto central que ele aborda é o lento e gradual crescimento da oferta de textos traduzidos do latim e do grego – como o que ilustra a chamada desse texto –, que ampliam o escopo dos conteúdos desenvolvidos não só nas escolas anexas às catedrais, mas sobretudo nas escolas urbanas, que vão aumentando gradativamente (apesar das diversas dificuldades enfrentadas, como a falta de locais apropriados de moradia para os estudantes). Estes, que ainda se dedicavam aos estudos dos textos sagrados – o fim último de educar-se, segundo a mentalidade da época –, tinham interesses e necessidades cada vez mais práticas e amplas, as quais exigiam mais conhecimentos de leitura, escrita, matemática e direito. Afinal, as mudanças políticas que ocorriam na mesma época exigiam que os chamados príncipes (governantes) contassem com uma burocracia bem formada para conduzir a gestão dos seus reinos. E isso requeria boa formação.
Escreveu Verger:
Os Papas e os príncipes do fim do século XII e do início do XIII também tinham a sensação provavelmente exagerada mas muito viva, de dever enfrentar sem cessar perigos cada vez maiores que exigiam armas intelectuais, até então inéditas. […]
Então, não é em um contexto apaziguado, pelo simples efeito quase mecânico do crescimento, que as escolas do século XII se transformaram em universidades. Esta transformação, que aliás referiu-se a apenas algumas entre elas, deve ser situada em conjunto com tensões e inquietações que ajudam a entender a aspereza dos conflitos que esta mutação desencadeou em determinados momentos, e a vida intensa que animou em seguida as novas instituições educativas (p.185).
A ampliação curricular e mudanças no próprio funcionamento dos estabelecimentos educacionais, menos subordinados aos mandos eclesiásticos locais, muito conservadores, contribuíram para o surgimento de universidades na Europa do século XIII, somando-se à mais antiga delas, a de Bologna, fundada em 1088. É nesse cenário que, em 1290, funda-se a Universidade de Coimbra, onde tantos jovens procedentes do Brasil, ao longo de séculos, estudariam.
Imagem 1: Começo do livro 7 da Metafísica de Aristóteles, traduzido para o latim por Guilherme de Moerbeke. Manuscrito do século XIV.
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Arist%C3%B3teles )