Reforma do Ensino Médio e livros didáticos: o ponto onde estamos

                                                                                 Vitória Rodrigues e Silva
                                                                                                Fundamento Assessoria

Vivemos um momento paradoxal: existe um movimento forte no sentido
de fazer as reformas do Ensino Médio avançarem, promovendo as mudanças
que todos sabem que são mais do que necessárias, porque urgentes. Nunca se
viu tanta coordenação e união em torno da implementação dos novos currículos.
Basta ver que, apesar da pandemia, boa parte das SEEs de todo o país aprovou
seus referenciais curriculares e as redes públicas já estão com seus novos
currículos definidos para o ano letivo de 2022, último prazo para implantação das novas propostas. Por outro lado, as editoras, que são as grandes provedoras
dos materiais didáticos que sustentem a prática diária em sala de aula, estão
com o freio de mão puxado e se mostram muito resistentes a produzir coleções
que rompam o modelo meramente expositivo de conteúdo. Isso tudo porque
estão certas de que os “colegiões” tradicionais, que não estão nem um pouco
interessados em mudar o status quo, (que lhes garante milhares de alunos todos
os anos em suas portas) não querem mudança alguma. E os menores, em geral,
seguem o que os grandões fazem. A decisão tem sido, então, fazer apenas
mudanças cosméticas nas obras do segmento, fazendo de conta que elas foram
produzidas em conformidade com a Lei 13415/2017 e a BNCC. Na capa, não se
hesita em colocar o selo: “de acordo com a BNCC”. Ao se abrir e conferir, vê-se
que é só para “inglês ver”.

A grande desculpa é que o ENEM não mudou (e aposta-se que não vai
mudar), menos ainda os vestibulares. E, então, pela enésima vez, perdemos
mais uma oportunidade para mexer no nível escolar mais complexo e
disfuncional da educação brasileira. É verdade que para o PNLD as obras
passaram por reformulações um pouco mais profundas, caso contrário não
atenderiam ao edital. Entretanto, perguntam-se os professores da rede pública:
vamos embarcar nessa, nos distanciando do que é oferecido nas escolas
privadas?

A pergunta que precisa ser feita é simples: a quem interessa manter o
Ensino Médio nos moldes propedêutico e profundamente excludente que temos?
Uma recente notícia informou que, fato inédito, mais da metade dos alunos que
ingressaram na USP em 2021 são egressos da escola pública. A reação de
muitos? Dizer que a USP, a sacrossanta instituição acadêmica brasileira, baixou
suas exigências de ingresso e por isso tem entre seus discentes alunos sem a
formação necessária para manter o padrão daquela instituição. Deu-se ao
trabalho, essa gente, de analisar pesquisas que mostram que esses alunos,
exatamente porque sabem o significado que tal oportunidade representa para
suas vidas, têm desempenho em geral melhor do que a média de seus colegas?
…É mais fácil vociferar contra qualquer coisa que procure romper com as
desigualdades estruturais que tanto marcam o Brasil.

Ao contrário do que muitos podem acreditar, é perfeitamente possível
rever os currículos do Ensino Médio, contemplando grande parte das exigências
legais postas (algumas ainda dependerão de professores preparados para
implementá-las e recursos materiais), sem degradar um milímetro a excelência
acadêmica que as escolas tradicionais tanto apregoam (e que só garantem de
fato para uma minoria de seus estudantes). Não se trata de rebaixar o nível de
ensino, mas elevar o patamar das aprendizagens e exigências, fazendo com que
os alunos se tornem capazes de executar outro tipo de tarefa que não
simplesmente responder questionários, testes, simulados e outros tipos de
avaliação que aferem apenas o quanto ficou retino na memória daquilo que foi
apresentado. Quantos alunos, de colégios bem-conceituados, são realmente
capazes de ler um editorial de qualquer jornal ou revista e escrever um texto
opinativo acerca dele? Está aí recente estudo da OCDE comprovando que
grande parte dos nativos digitais não sabe distinguir informação de opinião. A
escola não os ensina.

É possível mudar. É preciso mudar. Mas não haverá mudança se as
editoras não derem a sua contribuição. Não se pede ousadia ou salto no escuro,
arriscando seu faturamento, apenas reconhecimento que o modelo atual está
falido e é preciso engajamento de todos que pensam o futuro da educação deste
país. A hora é agora.

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